quarta-feira, 20 de julho de 2011

Para cada amigo, uma família

Eu não tive um amigo imaginário na infância. Meus primos, em sua grande maioria, são bem mais velhos, pelo fato de eu ser filha da caçula da família, que ainda teve filho bem mais velha. Não tenho nenhum amigo da época das fraldas e minha infância com meu irmão foi conturbada, isso até...

...Isso até os tempos de escola, quando numa inesquecível piada eu me liguei à uma dessas irmãs que a vida espalha por aí. Estudamos juntas por 3 anos apenas, até que ambas mudaram de escola. E de cidade, e até de país. Eu não tenho contato com mais ninguém desta escola, apenas com aquela que por tantas vezes me fez até fazer xixi nas calças de tanto rir, que brincamos de boneca, jogamos stop, andamos de patins, cozinhamos bolinhos de chuva sem nenhuma consistência, tomamos banho de esguicho, bexigas d’agua... dividimos tantas experiências quanto irmãs poderiam compartilhar. Tomei bronca dela, da mãe dela, da avó dela, da irmã dela... é, amigo é a família que a gente escolhe.

... Isso até os tempo de colégio, quando num boato mal intencionado, eu fiquei por meses sem olhar para a cara desta pequena que, os poucos, acabou se aproximando. Inteligente, sagaz e com um quê de querer ser maloqueira. Usava jeans e allstar, cabelo comprido e não fazia a sobrancelha. Acabou virando uma parceira de estudos, quando a única nota baixa de nossas vidas nos desafiou. Anos depois, namorados depois, ninguém a conhece como eu. Cada tom nas palavras, seu perfeccionismo que contrasta com a desatenção e desapego. Baladas, festas, jantares – e omissão de alimentos, caronas , salto alto e a conta de celular. Eu, durante um tempo, fui mais parceira da mãe dela do que dela... é, amigo é a família que a gente escolhe.

...Isso até os tempos de faculdade, quando as turmas eram tão bagunceiras e bagunçadas. Eu, que mal havia chegado, virei a mesa de uma turma fechada, apontei podres e, numa situação um tanto delicada (que hoje parece tão pequena) selecionei algumas que me acompanham até hoje, uma delas lá de longe, do outro lado do mundo (se é que o mundo tem lado), e uma outra virou parceira, equipe, companheira de cerveja perfeita... é, amigo é a família que a gente escolhe.

...Isso até os tempos de Londres, quando precisou estarmos milhas distantes para entendermos o quanto a gente se dava bem. Flatmate, bedmate, mate... uma amizade que uniu mais que duas brasileiras no exterior, virou irmandade mesmo, me defendeu com unhas e dentes literalmente, me deu colo, mesmo sem nunca ter passado a mão na minha cabeça pra nada – de todas, é a que mais dá bronca. É a que se exalta, mas sempre fala a verdade. E não veio só ela, o pacote incluía os amigos dela, a rua dela, a casa dela... é, amigo é a família que a gente escolhe.

...Isso até a vida dar uma reviravolta, quando eu precisei sofrer e me decepcionar com um e ganhar dois presentes da vida. Foram ofensas gratuitas, um ódio desnecessário, uma briga inexistente. E o perdão. A amizade que nasceu do acolhimento, a maturidade, o entendimento dos caminhos que a vida nos coloca. Entender que meu carma era na realidade conhecer a “inimiga” e ganhar uma amiga pra virar uma equipe, ou então uma companheira de viagem, de música verde e de freada brusca. A amizade excedeu os limites nacionais, e foram empanadas, Natais e Reveillon... é, amigo é a família que a gente escolhe.

...Isso até o ambiente de trabalho, o amigo do amigo, o chefe, o instrutor da academia, o vizinho... ah, estas histórias vão ficar para o ano que vem, assim dá tempo de a gente ter mais e mais história para contar!

Amigo. A família que a gente escolhe.

quinta-feira, 7 de julho de 2011

O amor não tira férias

Quantas e quantas vezes não ouvimos as histórias de amores de verão. Quantos filmes, novelas, livros, quantos contos que desejamos nossos, quantos devaneios sobre paixões avassaladoras que nos acometem em questão de segundos, quando menos esperamos.

Tudo que precisavámos fazer era nos abrir à elas.

Tudo que precisávamos era esquecer.

As férias da minha vida. Assim que chamo o último mês vivido, título plagiado descaradamente porém vivenciado profundamente. Foram 30 dias de descanso, viagens, risadas e devaneios. Mãos no bolso, pés na estrada, na calçada, no metrô, no trem, no ônibus, em cima e sem salto. Mente lutando em ficar vazia, coração insistindo no desapego, e eu apenas vivendo toda esta luta de sentimentos, com os olhares cobertos por lentes escuras protegidos do escasso sol que a terra de céu cinzento permite raiar. O cinza combinava com a alma, combinava com as letras miúdas que insistia em acompanhar, como um livro virtual de cabeceira.

Três semanas depois, o sol surgiu, o verão chegou tarde no velho continente. Com o sol, ele veio, alto, de gargalo, difícil de entender, mas o olhar disse tudo, mesmo no idioma estrangeiro. Entre beijos e festas, uma conversa profunda sobre a vida selou o primeiro encontro, aquele que seria o último. Minhas asas, que mesmo vermelhas se confundiram com as de um anjo, não foram fortes o suficiente para me tirar do chão, e eu acabei voando para outra direção. Mas o sol me trouxe a lembrança e o cupido, aquele armado não com flechas, resolveu de novo agir: o sol se pôs e eu continuei a olhar o horizonte, com uma imagem ruiva na cabeça.

O último dia de viagem chegou, já saudoso, tenso, com tanto a fazer. Mas a escolha foi feita. Tudo para o ar, quis a companhia, o toque das mãos grandes, os elogios, as fotos, o abraço incrivelmente confortável. Justamente no último dia. Na última noite. Eu fui, com um beijo enquanto ele dormia, e parti.

E hoje são dois os oceanos que nos separam. Amanhã serão cinco. Um dia talvez, nenhum, ninguém sabe.

O que eu sei é eu me abri. E que o amor da vida real também não tira férias.