Eu já tinha ouvido esta analogia há um tempo, mas entendi o
conceito, de verdade, só agora. Porque só agora eu tenho que decidir o que
fazer com o tal bolo queimado. Antes comer ou não era opção, e se não tivesse
bom sempre tinha a doceria da esquina. Mas agora a P* ficou séria.
Então eu me preparei, fui às compras, escolhi os melhores
dos ingredientes, paguei caro neles. Vesti meu avental e caprichosamente bati
as claras em neve, utilizando minhas melhores ferramentas culinárias. Durante
um longo tempo me preparei, medi, bati, mexi, untei e coloquei minha obra-prima
de bolo no forno. Um imprevisto tirou meu olhar do timer e o bolo passou do
ponto.
Queimou. E agora, o que fazer?
A opção mais fácil, mais cômoda, é comer assim mesmo. É
frustrante, porque teve tanto esforço e carinho envolvido e agora tem este
gosto de queimado. Mesmo tirando as bordas, o cheiro não é mais o mesmo. E
foram tantas expectativas naquele bolo que ter que assumir que ele não ficou
como planejava é um banho de água fria. Mas é o que tem, porque começar outro do zero daria muito trabalho e
joga-lo fora é admitir que todo este tempo de preparo foi em vão, desperdiçado. Então, quem sabe posso lançar mão de uma cobertura, ou recheie? Talvez ninguém saiba... mas eu sei que não era assim que tinha que ser.
Mas o fato é que é preciso aceitar as falhas. O bolo
queimou, ele não atende mais ao seu propósito. Um bolo queimado não satisfaz,
não acalenta o ego da doceira. Não é copiado, ninguém pede sua receita. Não é
gostoso. Deu trabalho, gastou-se ingredientes, mas por mais trabalhoso que
seja, o melhor a ser feito é voltar ao supermercado, comprar tudo novamente,
com a mesma qualidade e atenção. Novamente vestir o avental e com o mesmo
sorriso, de novo bater, mexer, untar... e colocar outra vez outro bolo ao
forno, prestando atenção no timer. Se outros imprevistos podem acontecer?
Claro, mas é a vida. O fato é que outro bolo não tira a marca daquele bolo
queimado, não tira a lembrança, te deixa com o pé atrás, de repente neste ficarei de 5
em 5 minutos acendendo a luz do forno, vai saber?
Mas a coragem de jogar o bolo fora, ah como é difícil! Como é
difícil admitir a falha, jogar tudo no lixo sem saber ao menos se vai dar tempo
de fazer um bolo novo...
Eu não queria queimar o bolo, eu não quero comê-lo assim
mesmo e joga-lo fora? Dói na alma.